Aprendizados da Advocacia - Parte 2
Aprendizados da Advocacia - Parte 2
Atenção ao Cliente
Dê a máxima atenção possível para o cliente. Isso faz parte do negócio mesmo que você não goste. Faz parte responder WhatsApp, tirar dúvidas, ouvir o cliente e suas frustrações.
Quando você o ignora, comunica descaso e desistência - faz parte da comunicação implícita, não há como evitar isso. A resposta instantânea é a realidade atual. Se você não se organiza para responder suas mensagens, você passa uma comunicação de descaso e, na melhor das hipóteses, de uma pessoa desorganizada.
Especificamente sobre WhatsApp
Se você nunca está disponível, sempre com a agenda cheia sem dar prioridade para seus clientes, o que isso comunicará? Que você não se importa com o caso deles.
Investigação
Investigue tudo atentamente, busque sempre o máximo de informações. Pesquise, pesquise e pesquise um pouco mais.
Há um tempo atrás peguei um caso de um cliente que estava buscando sua aposentadoria e já tinha sofrido duas reviravoltas processuais justamente por falta de documentação. Como meu colega me passou esse processo no último dia do prazo para manifestação de provas, eu tive que me virar para buscar uma jurisprudência favorável aos 45 do segundo tempo.
Não só isso, esmiuçar um caso idêntico, buscando uma situação paralela que teria existido na mesma empresa, na mesma época e na mesma função (buscando um PPP similar).
Depois de muita pesquisa e muitos acessos processuais, finalmente consegui encontrar um caso idêntico que fez com que nós conseguíssemos convencer o juiz que algo deveria ser visto naquele caso, levando à realização de uma perícia e a consequente vitória processual.
Então domine todos os métodos de busca do seu tribunal e de tribunais correlacionados. Como neste caso, eu ainda teria opção de buscar alguma informação na Justiça do Trabalho, o que de fato já fiz diversas vezes. Cace provas e evidências à unha.
A maior diferença entre os advogados, no fim de tudo é seu nível de dedicação, assim como no caso do filme El Patron a diferença está na busca pela verdade.
Outro exemplo que gosto de mencionar é o de Juan Catalan, um caso que ficou famoso porque o advogado conseguiu uma gravação de um seriado para comprovar a inocência do cliente.
Nunca ignore nada
Por mais inconsistente que pareça um determinado argumento ou uma dúvida, observe-o, dê relevância e trate-o com respeito.
Ser um especialista pode lhe cegar para a verdade e as circunstâncias naturais das coisas, você pode estar sendo contaminado por uma visão parcial. Não existe ninguém melhor para lhe trazer sua interpretação de injustiça do que a própria pessoa que sofreu a injustiça.
A visão dele pode precisar de um certo polimento e refinamento técnico, mas sempre deve ser tomada em consideração, mesmo que seja utilizada como um argumento secundário na tese jurídica ou mesmo que você precise descartá-la completamente, pelo menos escute.
Porém, continue sempre dando atenção e explicando os detalhes do porquê aquela tese ou reclamação jurídica não encontra guarida no direito em si - e só depois de você terminar uma investigação sobre aquele assunto.
Nunca ignore nada do que as pessoas lhe falarem. Não trate ninguém como idiota.
Transforme a linguagem jurídica
Com o cliente precisamos refinar nosso vocabulário para primeiro entendermos todos os sensos comuns que envolvem a Justiça e o processo legal em geral. Então precisamos traduzir a linguagem jurídica para um cenário mais “humano”.
Se você falha nesta missão e entope seu cliente de jargões e termos incompreensíveis, você falhará na clareza e comunicará implicitamente sua incapacidade de se comunicar adequadamente ou, pior, que você está utilizando a linguagem técnica para se esquivar da cobrança e da responsabilidade.
Também é preciso alinhar as expectativas do Processo Legal, da Justiça e seu funcionamento em geral. Ninguém fora do mundo destas instituições burocráticas pode compreender como os processos são tão demorados, ainda mais no cenário moderno atual.
É preciso explicar diferentes cenários e diferentes justiças, bem como seus problemas internos: a problemática situação de comarcas do interior em que a rotação de juízes é imensa, o problema de distribuição dos processos em várias Varas (cada uma com tramitação diferente), e as diferenças de procedimento como o juizado especial e a Justiça Comum.
Ajude na busca dos direitos
Muito se fala sobre venda na advocacia e um dos maiores pecados é não dar um retorno adequado para o cliente ou criar muitos empecilhos e entraves para o ingresso da demanda, de forma que o processo já fique desgastante logo no início.
Se você se dispõe a ajudar o cliente a buscar seu direito, incluindo a busca de provas que são necessárias, você comunicará um interesse maior do que um advogado que passa uma lista de documentos e tarefas que o cliente deve buscar.
A mensagem implícita é clara: “Vou te ajudar na busca dos seus direitos” versus “Estou aqui esperando você fazer o trabalho para mim”.
Ninguém é obrigado a te escutar
Uma atitude muito infeliz de todo ser humano é achar que a outra pessoa precisa ser convencida de tudo que ela fala e, se a outra pessoa não escutou, é porque ela é uma completa idiota!
Lembre-se: ninguém está obrigado a acreditar em você ou comprar suas ideias. Você não pode convencer o mundo que está certo. Isso jamais ocorrerá e é uma coisa que precisamos nos acostumar.
Em outros termos, devemos sempre ter em mente que todo material escrito terá como destinatário uma outra pessoa que terá um determinado conjunto de valores e interpretará o seu texto de uma determinada forma.
Sempre saiba o porquê
Se você assume um posicionamento, você precisa saber profundamente o fundamento da sua posição. Não estou falando de decorar em qual artigo do código ou da lei determinado fundamento está escrito. Estou falando de compreender a essência, a razão de ser daquela escolha.
Quando você assume uma postura, precisa entender visceralmente o porquê de estar tomando aquele caminho. Por exemplo, se um cliente me pergunta se deve esperar mais alguns meses para pedir a aposentadoria e eu respondo: “Não, você deve pedir agora”, eu preciso ter absoluta clareza do porquê esse é o melhor caminho.
Talvez seja porque a legislação pode mudar e se tornar desfavorável. Talvez seja porque há um entendimento jurisprudencial consolidado neste momento que pode ser alterado. Ou porque aguardar não trará benefício adicional significativo. Seja qual for a razão, você deve conhecê-la profundamente, pois é essa compreensão que fundamentará sua confiança ao orientar o cliente e sua capacidade de defender essa posição quando questionado.
Cada um tem uma perspectiva individual para as mesmas coisas
Cada ser humano carrega consigo um universo único de interpretações sobre fatos, valores e eventos. O que é devastador para um cliente pode ser trivial para outro. O que um considera vitória, outro pode ver como derrota parcial.
Essa diversidade de perspectivas é especialmente crítica no direito, onde lidamos constantemente com expectativas versus realidade processual. Um cliente pode chegar ao seu escritório acreditando que uma mensagem de WhatsApp é prova irrefutável de um acordo, enquanto processualmente isso pode ter peso limitado. Outro pode achar que testemunhou um crime gravíssimo, quando juridicamente o fato se enquadra em uma contravenção menor.
Por isso, é fundamental dedicar tempo para compreender a perspectiva do cliente - não para adotá-la integralmente, mas para conseguir fazer a ponte entre o mundo dele e o mundo jurídico. É preciso alinhar expectativas com sensibilidade: explicar o que pode e o que não pode ser demonstrado processualmente, o que tem relevância jurídica e o que, apesar de importante emocionalmente, não encontrará eco no processo.
Esse alinhamento não é crueldade; é honestidade profissional. É melhor um cliente preparado para diferentes cenários do que um cliente iludido que será inevitavelmente frustrado e além de não conseguir seus direitos, passará por um estressante processua judicial e condenado ainda a pagar uma sucumbência.
Instrua o processo antes da audiência (e às vezes antes de pegar o processo)
Quando você se depara com processos difíceis e complexos, a preparação antecipada é fundamental. Isso significa buscar informações prévias de forma meticulosa, muito antes da audiência, às vezes até antes de aceitar o caso.
É fundamental garantir que os fatos apresentados pelo cliente possam efetivamente se consolidar como prova judicial. Isso envolve verificar se existem documentos, se as testemunhas realmente presenciaram os fatos relevantes, se há registros contemporâneos aos eventos, se há contradições nas versões apresentadas.
Muitos advogados cometem o erro de deixar para descobrir problemas probatórios apenas na audiência, quando já é tarde demais. A instrução prévia permite identificar pontos fracos, buscar provas complementares, preparar testemunhas adequadamente e até pivotarem toda a perspectiva processual trocando a litigância por um acordo.
Às vezes, essa investigação prévia revelará que o caso não tem sustentação probatória - e é melhor descobrir isso antes de criar falsas esperanças no cliente e passar vergonha na audiência.
O que parece fácil é difícil e o que é difícil é fácil
Como consequência natural das diferentes perspectivas individuais, nossa própria percepção pode nos pregar peças. Um processo que parece trivial à primeira vista pode esconder complexidades processuais inesperadas. Aquela ação “simples” pode se transformar em um pesadelo.
Por outro lado, causas que parecem impossíveis às vezes se resolvem com uma simplicidade desconcertante - bastava encontrar o precedente certo, o argumento preciso, ou simplesmente ter a sorte de cair com um julgador sensível àquela questão específica.
Essa aparente contradição nos ensina humildade: nunca subestime o caso fácil nem desista prematuramente do caso difícil. Cada processo merece análise cuidadosa, sem prejulgamentos baseados em aparências. A experiência nos ensina que as aparências no direito são frequentemente enganosas.
Antes de tudo, somos todos humanos
Por trás de cada processo, petição, decisão e recurso, existem seres humanos - com suas limitações, emoções, dias bons e dias ruins. O juiz que profere a sentença pode estar passando por problemas pessoais. O serventuário que processa seu pedido urgente pode estar em seu primeiro mês de trabalho. O cliente que parece intransigente pode estar tomado pelo medo de perder tudo.
Reconhecer nossa humanidade compartilhada não é sinal de fraqueza - é sabedoria profissional. Erros acontecerão: você errará, seu cliente errará, o juiz errará, seu adversário errará. Alguns erros serão reversíveis, outros não. Alguns serão compreensíveis, outros parecerão absurdos.
As pessoas são tocadas por gentileza genuína, por compreensão, por profissionalismo respeitoso. Um “bom dia” sincero ao serventuário, paciência com o cliente ansioso, cortesia com o colega adversário - essas pequenas demonstrações de humanidade não apenas tornam a prática jurídica mais suportável, mas frequentemente abrem portas que a mera técnica jurídica jamais abriria.
Lembre-se: somos todos humanos navegando em um sistema imperfeito, tentando fazer o melhor possível com as ferramentas que temos. Compaixão e profissionalismo não são mutuamente exclusivos - pelo contrário, são complementares na construção de uma advocacia verdadeiramente eficaz.
Notas finais
A advocacia é, acima de tudo, uma ciência de comunicação. Os principais personagens desse ambiente de comunicação intensa são os advogados (nossos oponentes ou parceiros), juízes e serventuários da Justiça, peritos de diversas áreas, e principalmente nossos clientes.
Para encarar o Judiciário você precisa ser casca grossa e estar disposto a brigar, mas sempre mantendo a classe e o profissionalismo. Os reveses fazem parte da jornada, e é através deles que construímos nossa experiência e resiliência profissional.